segunda-feira, 2 de maio de 2011

Açucar Cervejeiro

Histórico do Uso de Açucar em Cervejarias.

Reinheitsgebot! Não poderia começar um texto sobre o uso de açúcar em cerveja sem comentar algo sobre a tão falada lei de pureza alemã. A Lei do consumidor mais antiga do mundo foi decretada por Guilherme IV em 1516 e baseia-se em uma tentativa de manter a qualidade da cerveja distribuída à população sem a adição de componentes como cinzas, cogumelos, raízes, derivados de animais, dentre outros possíveis agentes nocivos a saúde, utilizando-se apenas água, malte e lúpulo. Mas realmente ao promover a Lei, algumas empresas da atualidade tentam manter tal controle de qualidade quanto  é demonstrado?
A controvérsia começa ao vermos que na sua Lei original era inaceitável a utilização de Malte de Trigo para a produção de cervejas, pois como o trigo era também utilizado na produção de pães – este último teve um aumento no seu preço devido à diminuição da sua produção e seu consumo por parte das cervejarias. Outro fato importante é que nos dias de hoje  todas as cervejarias fazem controle e ajuste da sua água para produção de cerveja, mas essa adição de sais não era prevista na Lei de Pureza Alemã.
Segundo os autores citados por Ron Pattinson: Verlag Leipzig e Franz Schönfeld falam sobre alguns estilos de cerveja antigos que possivelmente foram extintos com o auxílio da Lei de Pureza Alemã, dentre alguns podemos citar:
- Fruit Bier como Cherry Bier e Lemon Bier: Cervejas similares com as produzidas na Bélgica hoje em dia, mas com um toque alemão.
- Säuerliche Bier: Cervejas pálidas, levemente lupuladas e contendo ácido láctico, sendo produzidas com malte base mais malte de trigo na proporção de 3 a 4 para 1.

- Grätzer Bier: Cervejas pálidas, com bastante lúpulo, produzida com malte de trigo e malte defumado.
- Breyhan: Por algumas centenas de anos foi o estilo mais difundido na Alemanha do Norte. Pesquisas contemporâneas do estilo dizem ser semelhante ao estilo Gose, sendo produzida com malte de trigo.
- Braunschweiger Mumme: Cervejas viscosas, quase pretas, alcoólicas, pouco atenuadas e bastante lupuladas. A consistência viscosa vinha de uma fervura longa e intensa, cerca de 1 hora e 30mints sem o lúpulo e mais 3 horas após a adição do lúpulo.
A Lei de Pureza Alemã é a favor do uso de apenas Malte para produzir a cerveja, mas muitas cervejarias tomam isso como se fosse todo o processo de produção da cerveja, sem levar em consideração várias etapas que são muitas vezes antecipadas e até mesmo forçadas para a produção de uma cerveja “Puro Malte, conforme a Lei de Pureza Alemã”.
Você considera uma cerveja “Puro Malte” que realiza a fermentação em 7 dias, faz a maturação por mais 7 dias, força a carbonatação, filtra e pasteuriza a cerveja, tendo uma qualidade superior a uma cerveja com cerca de 5 a 10% de um produto para elevar a complexidade da cerveja? Muitas informações não nos são fornecidas pelas cervejarias, mas vale a atenção ao processo produtivo das cervejas que bebemos.

O uso do Açúcar

A utilização de açúcar em cerveja tem como base o aumento da complexidade fornecida pelo açúcar e aumento da “digestibilidade” da cerveja.
Por digestibilidade entende-se como o equilíbrio da cerveja, tanto na relação amargor-dulçor quanto ao corpo (mouthfeel) da cerveja. Segundo John Palmer os dois constituintes mais importantes para o corpo da cerveja são: açúcares não fermentáveis e proteínas.
Açúcares caramelizados como os açúcares dos maltes caramelos, e açúcares de cadeia longa como as dextrinas, são exemplos de açúcares não fermentáveis. As dextrinas são açúcares sem sabor específico que adicionam corpo/viscosidade para a cerveja. Malte Carared, Caraamber, Chocolate dentre outros, possuem uma quantidade maior de açúcares caramelizados devido ao processo de produção destes maltes. O potencial de densidade destes maltes é parecido com o malte base (Pilsen/Pale ale), mas solubilidade não significa que ele é fermentável. Os açúcares destes maltes não contribuem para a fermentação e geram dulçor residual, além de contribuir para uma densidade final mais alta.
Já as proteínas mais importantes para o aumento do corpo de uma cerveja, são as chamadas de “proteínas de tamanho médio”. Durante a parada protéica as peptidases quebram as “proteínas grandes” em “proteínas médias” e as “proteínas médias” em “proteínas pequenas”. Nos maltes utilizados atualmente, a maioria das proteínas já foram convertidas em “proteínas médias” e “proteínas pequenas”, devido ao desenvolvimento dos maltes, e a realização de uma parada protéica iria reduzir ainda mais o corpo, por degradação das “proteínas médias”.
Cito 4 motivos para a utilização de açúcares e seus derivados na produção de cervejas:
  1. A produção de mosto com densidade superior a 1,070 apenas com malte é inviável e desnecessário, pois os sabores/aromas/gostos não são elevados colocando-se mais malte.
  2. Diminuição da sensação de corpo adquirido em cervejas de alto teor alcoólico produzidas apenas com malte.
  3. Evitar a utilização excessiva de maltes, principalmente referente a maltes especiais.
  4. Atingir sabores fornecidos pelos açúcares caramelizados e que não são conseguidos através do uso de maltes, pois a reação de caramelização ocorrida com o açúcar é diferente da reação de Maillard ocorrida com os maltes, conforme explicado abaixo.

Reação de Maillard
A reação de Maillard foi descrita em 1912 por Louis-Camille Maillard. Trata-se de uma reação que ocorre entre os aminoácidos ou proteínas e os açúcares (carboidratos) redutores. Neste contexto, quando o alimento é aquecido o grupo carbonila do carboidrato interage com o grupo amino do aminoácido ou proteína e, após várias etapas, produz melanoidinas, que dão a cor e o aspecto característicos dos alimentos cozidos ou assados.
Segundo Strong Gordon (presidente do BJCP), melanoidinas são açúcares marrons de tamanhos e cores variados e que são formados na reação de Maillard, principalmente durante a fervura intensa, na decocção e também em alguns maltes especiais. Alguns autores citam que as melanoidinas não possuem sabor, mas Strong Gordon fala que são açúcares bastante complexos e que além de pouco caracterizados são de grande complexidade.
Dependendo dos tipos de proteínas e açúcares que compõem o alimento, o processo produz resultados diferentes quanto a aspecto, cor e sabor, que são característicos para cada tipo de malte, além de variar conforme o tempo e a temperatura utilizada, produzindo os diversos tipos de maltes existentes.

Reação de Caramelização
A definição da reação de caramelização é curta: A caramelização envolve a conversão de açúcares em compostos coloridos pela hidrólise inicial em monossacarídeos seguida da polimerização deles pela influência do calor. Isso quer dizer que a hidrólise inicial estimula a produção de açúcares simples tornado o Candi Sugar claro mais fermentável e conforme sua cor vai escurecendo e seus compostos polimerizando, torna-se menos fermentável.

Tipos de Açúcar:
  • Açúcar Invertido
É a sacarose (açúcar comum) que sofreu hidrólise em meio ácido (catalisado pela presença de calor), gerando dextrose e frutose. É assim chamado por fazer um feixe de luz polarizada se deslocar para a esquerda. Esses açúcares são de mais fácil digestão para o fermento. O sabor acrescentado por este tipo de açúcar é praticamente nenhum, pois não é caramelizado, mas deixa a cerveja com corpo mais leve e aumenta sua drinkability.
  • Açúcar de Cana
Dissacarídeo composto de glicose mais frutose, mas precisa ser quebrado pelo fermento para poder ser usado nas suas formas mais simples (glicose e frutose), além de inverter a sacarose caso ainda não tenha ocorrido, o que pode levar a um tempo de fermentação prolongado por alguns poucos dias. Um problema relatado do seu uso seria um padrão de “cidra”, mas que se perde com algumas semanas após o engarrafamento. Usado para diminuir o corpo da cerveja e diminuir a coloração, além de adicionar pouca complexidade final à cerveja.
  • Glicose
Também chamada de dextrose ou açúcar de milho. É um monossacarídeo derivado de outros açúcares e pronto para uso do fermento. Uso para elevar o álcool, diminuir a coloração e diminuir os custos da cerveja. Não adiciona complexidade alguma a cerveja e é extremamente fermentável, sendo a maltose outro tipo de açúcar com resposta semelhante no resultado final e na utilização pelo fermento.
  • Açúcar Mascavo
Intermediário entre o açúcar de cana e o melado, tanto no sabor quanto na complexidade. Pode ser um produto bastante variável conforme o local de produção.
  • Melado
Extremamente variável. Para os americanos, pode explicar uma mistura de açúcar com impurezas, representando 90% de compostos fermentáveis. Já para os ingleses, o “Treacle” é um tipo de açúcar acidificado sendo o resíduo do refinamento do açúcar comum. No Brasil temos como um bom padrão em relação ao melado, sendo composto pela fervura do caldo de cana e remoção das suas impurezas. Adiciona uma complexidade única à cerveja e é relativamente bem fermentável.
  • Mel
Produto natural e complexo produzido pelas abelhas, possui o sabor relacionado a florada de origem, sendo o mel de laranjeiras e o mel silvestre os mais indicados para a produção de cervejas. Já o mel de eucalipto não é indicado, pois o sabor desenvolvido pode lembrar o aroma de desinfetantes a base de eucalipto. O sabor desenvolvido pelo mel é bastante diferenciado e único além de ser bastante fermentável.
  • Mel de Melato
Produzido pelas abelhas a cada 2 anos de abril a janeiro e é feito a partir dos excrementos (adocicados) de insetos sugadores de seiva. Não encontrei seu uso em cerveja, mas por ser bastante diferente e complexo, deve acrescentar aromas semelhantes ao mel mas com determinadas particularidades.

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